* Por Dra. Juliana Cuzzi e Dra. Paula Lopes Barquero
A infertilidade é um problema de saúde bastante comum, que acomete cerca de 15% dos casais que desejam iniciar uma família. Com o caminhar das pesquisas científicas, cada vez mais as causas genéticas vêm sendo apontadas como responsáveis pela dificuldade reprodutiva em mulheres e homens. Cerca de 3% a 6% dos casais que apresentam infertilidade primária ou que vivenciam duas ou mais perdas gestacionais são portadores de anomalias cromossômicas, ou seja, irregularidades de origem genéticas. Mesmo assim, a maioria dos fatores genéticos e moleculares envolvidos na infertilidade permanece desconhecida, outros já foram intensamente estudados. Alguns exemplos a seguir podem evidenciar o papel da genética no diagnóstico da infertilidade.
Mulheres com cariótipo 45,X –Síndrome de Turner
A perda de um cromossomo X em cariótipos femininos (conjunto de cromossomos da mulher) é característico de pacientes com síndrome de Turner, cuja frequência populacional varia de 1 em 5.000 a 1 em 10.000 nascimentos. Tecido gonadal com hipoplasia (Hipoplasia do tecido gonadal é uma diminuição do tamanho das gonadas, ou seja, órgãos sexuais “menores”) e infantilismo sexual devido à haplo-insuficiência dos genes homólogos XX ou XY, crucial para o desenvolvimento gonadal, garante a esterilidade completa na maioria das pacientes. Cariótipos femininos em mosaico (45,X/46,XX) são compatíveis com a atividade ovariana e produção de gametas femininos, no entanto, é recorrente na literatura científica a sua associação com baixa reserva e falência ovariana precoce. O único cromossomo X, presente no cariótipo Turner, é originário da mãe em 75% dos casos, sendo que a causa predominante do 45,X é um espermatozoide com a perda de um cromossomo sexual.
Mulheres com cariótipo 47,XXX – Síndrome do Triplo X
O cariótipo 47,XXX é observado em 1 a cada 1.000 meninas nascidas. Em 95% dos casos, o cromossomo X extra é originário da mãe e a incidência desta alteração está associada à idade materna avançada. A maioria das mulheres 47,XXX apresenta altura, peso e funções mentais normais, tem desenvolvimento pré-puberdade normal e são férteis, mas tem início precoce da menopausa em torno dos 30 anos de idade. O aumento da dosagem de genes que escapam à inativação do X contribui para as características clínicas desta síndrome, sendo que a presença de quatro ou mais cromossomos X já foi relatada. A severidade dos sintomas aumenta, proporcionalmente, com a quantidade de cromossomos X presentes no cariótipo da paciente.
Idade elevada da mãe
A idade materna além de estar relacionada ao aumento do risco de abortos e do risco de gerar descendentes acometidos por anomalias cromossômicas, como as síndromes de Down, Edwards, Patau, Turner e Klinifelter, também está associada à diminuição das taxas de implantação e, portanto, à diminuição da fertilidade. Os estudos populacionais (realizados com grupos mistos de pacientes) são categóricos em relatar que, a partir dos 35 anos de idade, a mulher começa a ter uma diminuição importante da qualidade de seus óvulos, especialmente, no que diz respeito à condição cromossômica. Muitas teorias científicas tentam explicar o mecanismo de envelhecimento ovariano e a influência da idade da mulher na não disjunção cromossômica (os cromossomos não se separam corretamente durante a divisão celular.) durante a gametogênese feminina (formação do óvulo), mas nenhuma delas foi completamente aceita. Abortos de repetição talvez seja o problema médico relacionado à idade reprodutiva feminina de maior incidência. Na maioria destes casos, a perda é causada por alterações cromossômicas fetais, sendo que a frequência de abortos repetidos é estimada em 62% para mulheres abaixo de 40 anos e 82% acima dessa idade, enquanto apenas 0,5% a 1,0% em casais jovens manifestam o mesmo problema.
Falência ovariana precoce associada à Síndrome do X-Frágil
O gene FMR1 (Fragile X Mental Retardation 1) é o gene responsável pela Síndrome do X-Frágil em meninos. Mulheres portadoras da mutação neste gene não manifestam a síndrome ou, em alguns casos, manifestam uma forma leve da doença. No entanto, o FMR1 vem sendo associado a algumas alterações reprodutivas femininas. Alguns trabalhos científicos relatam um aumento da incidência da mutação em FMR1 em pacientes afetadas pela falência ovariana prematura (FOP), sendo que, aproximadamente, 11% das mulheres com FOP familial e 3% das mulheres com FOP esporádica são positivas para a mutação em FMR1.
Perdas gestacionais associadas a mutações gênicas
Muitas doenças com herança monogênica estão associadas às perdas gestacionais, dentre elas estão: as trombofilias, hemoglobinopatias (doenças genéticas que afetam a hemoglobina, como a falciforme e a talassemia) e as síndromes de erros inatos do metabolismo-EIM (doenças metabólicas hereditárias que, na maioria dos casos ocorre por um defeito (mutação) em um gene que contém informação para produzir uma enzima, que por sua vez facilita a conversão de alguma substância (substrato) em outra (produto), em uma determinada via metabólica). É importante fazer distinção entre as síndromes diretamente responsáveis pela morte fetal daquelas que estão presentes em muitos recém-nascidos e, por isso, são consideradas fatores de risco para a manutenção da gestação. Diferentemente do que já foi descrito anteriormente sobre síndromes cromossômicas, as mutações gênicas geralmente levam à interrupção tardia da gestação causando a morte fetal durante o segundo e terceiro trimestres.
A consanguinidade aumenta o risco de doenças monogênicas e, consequentemente, eleva as taxas de abortos espontâneos e o nascimento de crianças afetadas por mutações gênicas de herança autossômica recessiva (são necessários dois genes com defeito, um do pai e um da mãe para que a pessoa tenha a doença). A alfa-talassemia major é uma hemoglobinopatia, doença monogênica que pode causar perda fetal. Desta forma, o aconselhamento genético reprodutivo deve ser recomendado aos casais com histórico familiar de talassemia.
Várias síndromes metabólicas de herança autossômica recessiva também estão relacionadas às perdas fetais. Estas disfunções geralmente envolvem problemas na degradação, produção ou armazenamento de proteínas, gorduras e carboidratos ou ainda nos ciclos energéticos das células.
As mutações gênicas causadoras de trombofilia são as mais evidentemente associadas aos abortos de repetição. A trombofilia é um grupo heterogêneo de características herdadas que predispõem o indivíduo ao tromboembolismo, complicações gestacionais e a perda fetal. Embora o mecanismo envolvido nesta doença seja pouco compreendido, a mutação em genes essenciais para a coagulação sanguínea pode resultar em um dano na vascularização coriônica, prejudicando a circulação útero-placentária, levando à trombose e, consequentemente, à interrupção da gestação.
Existem dois testes diagnósticos capazes de avaliar os embriões gerados in vitro antes que sejam transferidos para o útero materno: um é o screening genético pré-implantacional (PGS), esta tecnologia tem por objetivo diagnosticar alterações no número de cromossomos e, assim, aumentar as chances de uma gestação saudável ao final do tratamento de reprodução assistida. O outro teste é o Diagnóstico Genético Pré-implantacional (PGD), que é capaz de avaliar se os embriões (gerados in vitro) são portadores de uma doença genética hereditária recorrente na família.
Qualquer que seja a alteração genética encontrada, é recomendado que o aconselhamento genético seja realizado e juntamente com a avaliação médica dos fatores da infertilidade, estratégias possam ser tomadas para que o sonho de se construir uma família saudável esteja cada vez mais próximo.
* Dra. Juliana Cuzzi é PhD em Genética da Reprodução Humana do Genesis Genetics Brasil e Dra. Paula Lopes Barquero é PhD em Reprodução Humana. As especialistas escreveram com exclusividade sobre o tema a convite da Fertivitro.
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