Preconceito na fertilização


Enfrentar os desafios impostos pelo sentimento de culpa e pela sociedade faz parte do percurso de superação dos pacientes de reprodução assistida

Por Ana Rosa Detilio Monaco*

O assunto preconceito é sempre bastante difícil de ser abordado na sociedade, muitas questões envolvem as verdades implícitas dentro desta realidade que é tão inerente a natureza humana que, de certa forma, apresentam-se ignoradas ou ainda negadas por nós. O motivo dessa negação talvez seja porque os sentimentos desencadeados pelo preconceito se mostram desconfortáveis.
Quando qualquer pessoa pensa em ter um filho, deseja que este seja concebido de forma natural como a maioria, mas ter que abdicar desde direito, que a princípio parece tão natural, mostra-se complicado, pois o diagnóstico de infertilidade causa um impacto negativo no estado emocional. Trata-se de uma situação que provoca vários sentimentos: vergonha, profunda tristeza, angústia e ansiedade, alterando, assim, o projeto de vida do casal.
Ter que recorrer à Reprodução Assistida (RA) para ter um filho, quando o motivo é a infertilidade, é assumir a experiência de uma limitação. Por isso, muitas pessoas demoram para buscar auxílio médico, o que pode dificultar a possibilidade de sucesso do tratamento. É preciso entender que procriar é algo que não está sob o controle humano, tanto na impossibilidade de engravidar, como no caso de uma gravidez indesejada.
Outro sentimento decorrente da infertilidade é a culpa. É muito comum os pacientes me relatarem que evitaram por muito anos ter filhos, utilizando medicamentos ou até interrompendo gestações indesejadas. São nestes casos que o sentimento de culpa surge, por imaginarem que poderiam ter engravidado anteriormente sem o tratamento médico, como se somente isso fosse a causa do problema, mas não é.
Assumir para a família, aos amigos e a sociedade em geral a reprodução assistida, a muitos casais, principalmente aos que já tiveram resultados negativos em tratamentos anteriores, torna-se um grande tabu. Além de terem de enfrentar todos os procedimentos médicos, a ansiedade e o medo de um novo diagnóstico negativo, ainda precisam aceitar que “são diferentes” e enfrentar o preconceito gerado pela sociedade, por não seguirem as regras da natureza. Por mais que a ciência esteja evoluindo de forma astronômica, precisamos concordar que, para algumas situações, o melhor seria não ter que necessitar dela, e ter filho é, sem dúvida, uma delas.
Vários casais me contam que ouvem que não deveriam fazer tratamento para ter filhos, pois, afinal, existem tantas crianças abandonadas. Este é o típico exemplo de preconceito real existente frente às técnicas de reprodução assistida, ou é até um sentimento vivido pelo próprio paciente, que não tem recursos para lidar com tantas exigências. Sem contar com as questões religiosas, ao questionarem tais procedimentos. Portanto, é muito natural o casal apresentar dificuldades em recorrer à fertilização assistida, pelo fato de ter que lidar com a dúvida, a vergonha e o medo.
Para quem vive a realidade das técnicas de reprodução assistida, sejam pacientes ou profissionais, precisa rever a todo instante suas verdades e valores, para se adequar à evolução. Nos últimos anos, muito já foi realizado para ajudar a solucionar o problema, mas ainda há o desafio de superação.
A meu ver, seguir em frente é a melhor receita para sobreviver, e cada um deve saber como construir este percurso. Mas ninguém disse que seria fácil. Para quem optou a seguir com o tratamento de reprodução assistida, a minha sugestão é ter a certeza da opção escolhida e aprender a conviver com as adversidades da vida, geradas em tantos outros campos também.
 
* Ana Rosa Detilio Monaco é psicóloga da Fertivitro — Centro de Reprodução Humana, especialista em Reprodução Assistida
Mais informações no site da Fertivitro: www.fertivitro.com.br

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