DNA sintético é revolução também para o Direito


Por Juliano Ralo Monteiro*
O dia 20 de maio de 2010 foi mais uma data que ficou marcada na história como o momento em que se anunciou à toda humanidade que a ciência obteve êxito na criação sintética do DNA.
O pesquisador John Craig Venter, conhecido por seus trabalhos na área da decodificação do genoma humano, foi o responsável pelas pesquisas e por relatar à comunidade científica aquilo que denominou ser “a primeira espécie de autorreplicante que tivemos no planeta cujo pai é um computador”.
Os cientistas, por meio das informações obtidas após o sequenciamento do genoma da bactéria denominada Mycoplasma mucoides, foram capazes de recriar, com a ajuda de um computador, cada parte da estrutura do DNA desse ser unicelular. Recombinado artificialmente esse material, transportaram-no para uma célula de levedura, dando origem, por meio de fusão, a um novo organismo totalmente artificial e capaz de autorreproduzir-se.
A notícia foi divulgada ao mundo pela revista norte-americana New Scientist que afirmou que pela primeira vez a ciência “criou vida a partir do zero”. Aclamou o periódico, por assim dizer, “a chegada da vida artificial!”. Entretanto, em sua versão para a revista, o cientista J. C. Venter afirmou que definitivamente não foi criada a vida a partir do zero, porque foi usada uma célula receptora natural para os cromossomos artificiais. Concluiu incisivamente que foi criada, na realidade, a primeira célula de forma sintética.
Ao que parece, os entusiastas da pesquisa especulam que várias seriam as possibilidades benéficas a partir dessas pesquisas: a produção de biocombustíveis, soluções para a poluição no planeta e até mesmo a produção mais eficaz e célere de vacinas. Entretanto, há desconfianças de que a humanidade ainda não está preparada para tal avanço, uma vez que os organismos sintéticos poderiam escapar ao meio ambiente, o que poderia trazer consequências inimagináveis, vislumbrando outros, ainda, a criação de armas químicas com potencial de destruição em massa.
A sensação é a de estarmos diante da repetição daquelas cenas do passado em que havia mais perguntas do que respostas. Cita-se, por exemplo, a fusão do átomo, o anúncio do primeiro bebê fruto da fertilização in vitro ou, mais recentemente, a primeira clonagem em animais. Perguntava-se, em cada um desses episódios, quais seriam os limites dessas pesquisas e suas consequências para a humanidade.
A par da discussão de se diante do DNA Sintético estamos ou não diante da primeira criação artificial da vida, importante é se levantar as implicações desse experimento e, principalmente, de que forma o Direito, cujo objeto é a pacificação social dos conflitos, e as autoridades, irão se manifestar a respeito.
Ainda é muito prematuro para se fornecer respostas seguras, mas as possibilidades de debates e questionamentos éticos, morais, religiosos e filosóficos serão muitos, a começar com a aporia: qual é o conceito de vida?
Infelizmente, as discussões éticas e jurídicas são mais lentas que o avanço da ciência. Entretanto, enquanto as soluções não chegam, talvez fosse interessante voltarmos os olhos para o passado, a um caso peculiar que muito contribuiu com a construção de respostas.
Ao final da década de 1970 foi conquistado pela ciência o domínio da técnica da fertilização in vitro (FIV), que culminou, em 25 de julho 1978, com o nascimento na Inglaterra do primeiro “bebê de proveta”, Louise Brown.
Longe de querer comparar o avanço no campo da reprodução assistida com as conquistas atuais do DNA sintético, importante relembrar que o momento social diante da FIV era único, transparecendo em toda a sociedade dúvidas e discussões. Foi preciso um amadurecimento ímpar da comunidade científica para trazer respostas a toda humanidade.
Diante de discussões suscitadas a partir o nascimento de Louise Brown, criou-se em 1981 na Inglaterra o Committee of Inquiry into Human Fertilization and Embriology, ligado ao órgão Inglês Human Fertilization and Embryology Authority que publicou, três anos mais tarde, o Warnock Report, com relevantes conclusões para guiar a humanidade no campo das pesquisas.
Para se ter uma ideia, o referido relatório trouxe um diagnóstico completo das implicações sociais, éticas e legais da evolução da biotecnologia de até então e, assim, elaborou um parecer minucioso que influenciou profundamente o desenvolvimento da bioética e biodireito da maneira que hoje conhecemos.
Passados mais de 25 anos da elaboração do Warnock Report, creio que o DNA sintético está a trazer uma nova revolução no campo da biotecnologia. O momento é único em oportunidades. É necessário que a comunidade científica faça uma nova pausa para profunda reflexão sobre o estágio atual das pesquisas e proponha, de forma eficiente e madura, as mudanças necessárias para o porvir.
Um passo singelo para tanto foi tomado pela Presidência dos Estados Unidos da América que, de pronto à publicação do experimento na revista New Scientist, determinou à recém criada Commission for the Study of Bioethical Issues a apresentar um relatório no prazo de seis meses acerca das implicações desse avanço.
No atual estágio da evolução médica, a única coisa que é possível afirmar é que estamos mais próximos do que nunca para se criar vida de forma artificial, perto da fronteira em que o “homem passa a brincar de Deus”. Os mais céticos perguntarão: estamos no caminho certo?
* Juliano Ralo Monteiro é advogado, mestre e professor em Direito.
Fonte da matéria: site Consultor Jurídico, publicada em 24/05/2010
http://www.conjur.com.br/2010-mai-24/dna-sintetico-desenterra-discussoes-limites-intervencao-humana

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