Tratamento à base de criopreservação de embriões, tecido ovariano e óvulos são alternativas para pacientes que serão submetidas à quimioterapia
Por Dr. Luiz Eduardo Albuquerque*
O câncer de ovário, apesar dos aparentes avanços terapêuticos das últimas décadas, continua sendo a principal causa de morte dentre os tumores ginecológicos. É o sexto tipo de câncer mais frequente entre as mulheres com, aproximadamente, 205 mil novos casos registrados por ano, em todo o mundo, e representa entre 4% e 5% de todos os tumores femininos. Uma das questões mais delicadas em relação ao tratamento de mulheres jovens com o diagnóstico de câncer é o comprometimento da fertilidade.
O tratamento do câncer de ovário geralmente envolve a remoção completa do útero e ambos os ovários, o que leva à menopausa e expõe mulheres jovens aos riscos da privação prolongada de estrógeno (hormônio feminino responsável pela libido e fertilização). A maioria dos casos de câncer de ovário ocorre em mulheres com idade superior a 40 anos e são detectados em estágio avançado. Entretanto, até 17% desses tumores são detectados entre mulheres abaixo dos 40 anos no estágio inicial da doença.
A quimioterapia, como base no tratamento para muitos tipos de cânceres, pode causar um dano no ovário irreversível, já que é um órgão extremamente sensível às drogas citotóxicas e possui um número limitado e insubstituível de folículos.
A preservação da fertilidade, em mulheres jovens e em idade reprodutiva com câncer de ovário, deve ser sempre considerada, sendo importante analisar os riscos e benefícios antes do início do tratamento.
Os tumores ovarianos são classificados em três tipos, dependendo de sua formação, prognóstico e tratamento.
Tumores de células germinativas: representa, aproximadamente, 5% do total de tumores malignos do ovário e correspondem a 80% dos cânceres de ovário nas pacientes pré-adolescentes e adolescentes, com pico de incidência entre os 16 e 20 anos. Possuem uma extrema sensibilidade à quimioterapia e, portanto, potencialmente curável em qualquer fase. A regra empregada no tratamento desses tumores é o conservadorismo extremo, com o objetivo de preservar a fertilidade. O único papel da cirurgia é a biópsia dirigida com a finalidade de definir a linhagem tumoral. Na pior das hipóteses, haverá a necessidade de realizar a remoção dos ovários, nos casos de tumores unilaterais bem encapsulados. (São tumores restritos ao interior de uma cápsula, ou seja, sem ramificações e de apenas um ovário – lembrando que as mulheres possuem dois ovários, um de cada lado). A cura pela quimioterapia coadjuvante pode ser sempre uma opção, elevando as taxas de cura para 70% a 100%, mesmo em estádios mais avançados.
Tumores borderline (baixo potencial de malignidade): não são precursores do câncer invasor. A taxa de proliferação é baixa por possuírem um crescimento muito lento, mas, por outro lado, mostram-se praticamente imunes a radio e a quimioterapia. A anexectomia (Anexectomia é a retirada de um anexo uterino, que compreende um ovário e uma trompa, mantendo a integridade do útero) simples nos casos unilaterais é indicada, já que existem registros de várias gestações em pacientes após esta intervenção.
Tumores epiteliais: são tumores de origem mesotelial (de tecido celular simples que reveste as cavidades do interior do abdomen), considerados mais letais na mulher, pois a maioria dos diagnósticos é feito em estádios mais avançados (70% – 80%). Trata-se de tumor de crescimento extremamente agressivo, tornando rara a prevenção da fertilidade nessas pacientes, já que a maior incidência ocorre em idade mais avançada (40 a 65 anos). Nos raros casos de incidência em idade reprodutiva, somente nos estádios Ia – estágios iniciais com pouco ou nenhum comprometimento dos tecidos adjacentes – pode-se tentar preservar a fertilidade.
Técnicas para a preservação da fertilidade
As principais técnicas utilizadas para preservar a fertilidade são: a criopreservação de embriões, de oócitos (óvulos) e de tecido ovariano.
A criopreservação de embriões é uma técnica bem estabelecida nas pacientes com desejo de gravidez futura e com risco de falência ovariana. Em 2005, de acordo com o SART (Society for Assisted Reproductive Tecnology), as taxas globais de gravidez com transferência de embriões congelados foi de 28%, comparado a 34% com embriões transferidos a fresco (que não passaram pelo processo de congelamento, ou seja, foram transferidos no mesmo ciclo da retirada dos óvulos). Porém, a técnica possui algumas limitações, como: tempo hábil para induzir uma hiperestimulação ovariana controlada (que geralmente compreende entre 2 e 3 semanas antes de iniciar a quimioterapia); pacientes sem parceiro definido e pacientes com tumores estrogênio dependente..
A criopreservação de oócitos (óvulos) tem como vantagem não haver necessidade de um parceiro no momento da realização do procedimento, o que evita alguns problemas éticos quanto ao destino desses óvulos, caso a paciente venha a falecer, fato polêmico quando falamos de embriões. Recentes avanços nas técnicas de criopreservação dos óvulos (vitrificação) apresentam resultados surpreendentes.
A criopreservação de tecido ovariano deverá ser considerada como opção para as pacientes que possuam contra-indicações ao hiperestímulo ovariano, como o caso de tumores com receptores hormonais positivos e também falta de tempo hábil antes do início da quimioterapia.
A eficácia do emprego do análogo do GnRH, como protetor da reserva ovariana nas pacientes submetidas à quimioterapia, é questionável. Por ser um tratamento controverso, não justifica sua utilização em pacientes sem tempo hábil para a hiperestimulação ovariana com fins de criopreservar oócitos e embriões, pois pode provocar efeitos negativos ao tratamento quimioterápico. Seu mecanismo de ação seria, talvez, diminuir o número de folículos mais vulneráveis a quimioterapia, bloquear o desenvolvimento de novos folículos, mantendo os folículos em repouso, e provável diminuição do aporte sanguíneo aos ovários, diminuindo a absorção das células gonadais (do ovário).
Podemos concluir que, apoiados nas deliberações do Comitê de Ética da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, os médicos têm o dever de informar as pacientes, em idade reprodutiva com câncer sobre as opções que existem para a preservação da fertilidade antes do início do tratamento. Os métodos, considerados bem estabelecidos, para a preservação da fertilidade são a criopreservação de embriões e criopreservação de oócitos (vitrificação). A criopreservação de tecido ovariano ainda deve ser considerada como técnica experimental.
* Dr Luiz Eduardo Albuquerque, ginecologista, especialista em Reprodução Assistida, é diretor da Fertivitro — Centro de Reprodução Humana