É importante enfrentar as tristes sensações inerentes a tal situação, desde que o sofrimento não tome proporções mais graves e limitantes na vida do paciente
Por Dra. Ana Rosa Detilio Monaco*
Ter filhos parece ser natural à condição humana. A maioria das mulheres imagina que, quando decidir ter um filho, irá engravidar. Nunca ou quase nunca, uma pessoa cogita a ideia de que talvez isso não ocorra. Nós somos preparados por nossos pais e educadores a lidar com várias adversidades na vida adulta, mas pensar e falar na infertilidade parece significar algo que não queremos sequer imaginar um dia viver.
Não querer ter filhos faz parte de uma representação e não conseguir tê-los outra completamente diferente. Quando não se pode ter, enfrenta-se uma situação que mobiliza sentimentos negativos como a inferioridade e a baixa da autoestima, que levam o indivíduo ao sofrimento e à frustração.
A psicanálise entende como frustração qualquer objeto interno ou externo que seja contra a satisfação efetiva do desejo, como por exemplo, não conseguir engravidar, não alcançar o objetivo profissional, não obter o produto de consumo adorado, e tantos outros sonhos não realizados. Portanto, sabemos que as frustrações fazem parte da condição de estarmos vivos, isto é, nós nos frustramos muito frente à vida, e amadurecemos emocionalmente frente a tais sentimentos, porém as experiências vivenciadas pelas pessoas que desejam e não alcançam a gravidez podem trazer sérios danos à qualidade de vida.
Não conseguir ter filhos representa não estar de acordo com a maioria das pessoas, já que elas puderam e “eu” não. A infertilidade mobiliza de tal maneira que o assunto para muitos e, principalmente, para as mulheres parece dominar suas mentes e suas vidas passam a se resumir a esta vontade, como uma obsessão. Mesmo que estas pessoas não queiram estes sentimentos maléficos, ficam, muitas vezes, expostas à possibilidade de frustração, por fantasiarem que desta forma assumem o controle do incontrolável.
O ato de procriar que, por muito tempo, dependia somente da natureza é tão enraizado em nossa cultura que constituir um novo núcleo familiar pela procriação se mostra um fenômeno comum a todos os seres vivos, sem o qual a espécie pereceria. Ainda existe a influência da família, dos amigos a da religião que estimulam o interesse e o desafio de ter filhos.
As próprias técnicas de reprodução assistida também podem levar à frustração, porque os resultados limitados e a exposição emocional e física vivida pelos pacientes são geradores de sentimentos que percorrem este caminho.
A presença da infertilidade representa para muitas pessoas a interrupção de um projeto de vida. Na maioria dos casos, formar uma família e ter filhos são metas a serem atingidas em um determinado momento de nosso percurso. Mas não podemos deixar de pensar que pode haver a impossibilidade de engravidar, o que resulta em frustração.
Frente a esta realidade, a psicologia aliada à medicina tem a oferecer a possibilidade de reorganização afetiva de tais vivências, com o objetivo de fazer com que o paciente se adapte da melhor forma à realidade e que a vivência do sofrimento seja amenizada.
Além do acompanhamento com um psicólogo, é importante que os pacientes busquem alternativas para abrandar a tristeza e evitar o desenvolvimento de um quadro mais grave como a depressão. Sugerimos às pessoas que continuem realizando as atividades cotidianas, principalmente as que promovem prazer, para que se distraiam e não fiquem pensando na infertilidade ou no tratamento em si. Qualquer trabalho ou ação que tenha identificação com o paciente traz benefícios, seja um esporte, arte, ou a profissão.
É importante o paciente conversar com um psicólogo se perceber que problemas emocionais mais sérios estão surgindo e afetando o dia-a-dia. É impossível não sofrer, não ficar triste e nem ansioso quando um homem e uma mulher querem ter filhos e descobrem que apresentam infertilidade. Todas essas sensações fazem parte do processo, o fato é a proporção que estes sentimentos irão se desenvolver, em quais dimensões estarão na vida do casal. Quando o paciente torna-se pessimista, com pouca ou sem esperança diante da causa, haverá alterações na alimentação, distúrbios do no sono e na vida em si. Se tal comportamento ocorrer por mais de 15 dias, é necessário buscar ajuda médica, porque, muitas vezes, o quadro inicial não é uma depressão propriamente dita, porém, se não houver um acompanhamento e tratamento adequado, pode se tornar. Vivências de tristezas e incertezas são inerentes à infertilidade.
Raramente, as pessoas procuram ajuda para os aspectos emocionais, mostrando-se indiferentes ou não percebendo a existência destes problemas, como se essas sensações pudessem de alguma forma desaparecer em todo o processo. Penso que mesmo que tais sentimentos não estejam visíveis, ou ainda que o indivíduo ache que possa dar conta, o suporte emocional é imprescindível para enfrentar o percurso de forma menos árdua.
* Dra. Ana Rosa Detilio Monaco é psicóloga da Fertivitro — Centro de Reprodução Humana