A dúvida de revelar aos filhos que nasceram da fertilização artificial

Estudos científicos apontam a importância de contar a sua origem às crianças, mas isso não deve ser uma regra se os pais não se sentirem confortáveis com a situação

Por Ana Rosa Detilio Monaco*

O desenvolvimento das técnicas de Reprodução Assistida (RA) tem permitido às pessoas, que apresentam dificuldades para engravidar, a realizarem seu sonho A organização Mundial da saúde (OMS) refere que é um problema que atinge de 8% a 15% dos casais. No Brasil estima-se que mais de 278 mil casais apresentem dificuldade de gerar um filho em algum momento no período reprodutivo de suas vidas.
Várias são as técnicas que a reprodução assistida tem a oferecer de acordo com a necessidade e desejo dos pacientes que a buscam como recurso. Uma das possibilidades de tratamento, quando o casal, por algum motivo, não dispõe de óvulos ou espermatozoides que possam ser utilizados com boa possibilidade de sucesso, é a utilização de células doadas, estas podem ser tanto masculinas (espermatozoides) quanto femininas (óvulos). Atualmente muitos casais têm aceitado realizar esse procedimento quando não encontram alternativas.
Mas muitas questões devem ser refletidas e trabalhadas com esses pacientes que aceitam a doação de gametas (óvulos e/ou espermatozoides), pois aqui estamos nos referindo a filhos que não terão a genética de um dos pais ou, no caso de recepção de embriões doados, nenhuma consanguinidade com o pai e a mãe. A discussão sobre o tema é fundamental entre os envolvidos, porque estas pessoas (pais e filhos) estarão expostas a novas realidades as quais não terão referência, por não conhecerem, possivelmente, ninguém que as tenha vivido.
Portanto, vamos falar aqui sobre a questão mais importante depois do resultado positivo: o que falar e para quem falar sobre as verdades que configuram a história deste filho.
Na realidade não é função do psicólogo ou dos médicos determinar o que as pessoas devem revelar sobre a utilização das técnicas, pois vários são os fatores que envolvem a história de cada casal ou pessoa que opte pelos tratamentos, cabe-nos apenas compartilhar o que vivenciamos ao longo de nossa trajetória e auxiliá-los a refletir sobre o que pretendem fazer diante da situação.
Quando um casal utiliza suas próprias células (espermatozoides e óvulos) para realizar o tratamento e obtém resultado positivo, percebo que este não é principal dilema para contar, porque muitos parecem ficar a vontade para falar ao filho que ele é fruto de fertilização, devido às dificuldades que tiveram para engravidar. Uma pesquisa científica, a qual a Fertivitro participou sobre o tema, confirma estas intenções.
Por outro lado, quando falamos em técnicas que envolvem recepção de óvulos e/ou espermatozoides ou ainda pré-embriões, no qual a paciente irá gerar o bebê, observo que um número razoável de pessoas manifesta alguma dificuldade em lidar com o assunto, alguns revelam que pensaram na questão, mas não se aprofundaram pelas dificuldades do processo. Sabemos o quanto é complexa a situação, porém, também estamos muito conscientes do quanto é importante que ajudemos aqueles que buscam tais técnicas a pensarem sobre este novo universo tão desconhecido, pensar em ter um filho pela gestação tão sonhada. Saber que não existe um total laço de sangue pode realmente ser desconfortável, mas alguns casais podem pensar em esquecer isso quando o bebê nascer.
Infelizmente, esquecer não é possível e nem indicado, pois não há nada que certifique de que a verdade possa vir à tona em qualquer momento. O tratamento em clínicas de reprodução humana é sempre realizado com sigilo absoluto, mas em relação a outras possibilidades que a vida pode nos expor, não existe garantia de segredo, daí vale lembrar sobre para quem e o que o paciente irá revelar no momento do tratamento, pois se uma única pessoa souber sobre a recepção de células, não há mais segredo e sim mais uma possibilidade de revelação a qualquer momento, principalmente se nos basearmos na rapidez da evolução tecnológica e médica as quais buscam avanços profundos no que se refere ao mapeamento genético.
Do ponto de vista da Psicologia, devemos alertar as pessoas que apresentar um filho ao mundo é, principalmente, um ato de amor fundamentado na confiança, um dos principais componentes das relações verdadeiras e sólidas. Não temos como não buscar referência na adoção, a qual já sabemos e temos várias comprovações científicas que, falar sobre a verdadeira história do filho para ele, é fundamental para um bom desenvolvimento emocional e a criação de um legítimo laço afetivo com a família que o escolheu.
Alertar as pessoas envolvidas em tratamentos de reprodução assistida sobre dilemas que irão enfrentar no futuro é nossa responsabilidade, pois no momento do tratamento somos tão responsáveis por estas possíveis vidas quanto os futuros pais. Cabe a nós, especialistas na área, ajudarmos a refletir sobre essas questões, para que possamos juntos apresentar sem sofrimento estes filhos, que têm chegado ao mundo por novos caminhos, gerando novas constituições familiares, mas que não tenham dúvida de que são verdadeiramente filhos, como todos têm que ser: do afeto.
Um estudo realizado por Susan Golombok, em 2004, sobre esta temática aponta para um aumento da intenção dos pais em contar a verdade aos seus filhos. Este trabalho identificou também algumas diferenças (não clinicamente significativas) entre os casais que tinham intenção de contar a verdade à criança e os que não tinham: os primeiros reportaram ter discussões menos frequentes e menos graves com os seus filhos e informaram que as crianças apresentavam menos estressee problemas de comportamento. Eles se consideraram como pais mais competentes do que os casais que não tinham intenção de contar a verdade aos seus filhos. Estes resultados são congruentes com uma pesquisa anterior, realizada em 2002, pelos psicólogos e cientistas Susan Golombok, Fiona MacCallum, Everard Goodman e Michael Rutter, que apontava para menores dificuldades nestas famílias.
Outro estudo feito, em 2005, por Susan Golombok, Emma Lycett, Ken Daniels e Ruth Curson mostrou, ainda, que na generalidade, os casais que já tinham contado a verdade aos seus filhos avaliaram a experiência como positiva. Esta revelação foi encarada com curiosidade ou desinteresse por parte dos filhos, sendo que, neste último caso, se colocou a hipótese de, dado a idade dos filhos, estes ainda poderiam não compreender o que lhes estava sendo dito.
Finalizando este tema tão vasto, sugiro às pessoas que buscam técnicas de reprodução assistida e, principalmente, as que adotam células, que não decidam nada antecipadamente, mas que reflitam a ampliem a questão, pois é fundamental para que possam encontrar a maneira mais saudável para todos os envolvidos, principalmente para este filho tão desejado.
 
* Ana Rosa Detilio Monaco é psicóloga da Fertivitro — Centro de Reprodução Humana

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